TEMPOS DE ESTUDANTE NA URSS – DORI C. BARBIERI
Crônicas
variadas – 1968-1974
PARTE I I – Crônica 3
- Dori
Carlos Barbieri, 1946, natural de Seara – SC.
- Formado
em Agronomia no ano de 1974 na U.A.P. Patrice Lumumba, Moscou.
- Ao
retornar ao Brasil, exerceu atividades profissionais inicialmente em cooperativa agrícola e, depois, em diversas
empresas integradoras de produção animal e de alimentos em funções ligadas à
Nutrição Animal ou de Gerência Técnica de Agropecuária em SC, no interior do PR,
de SP e no MS.
-
Aposentado desde 2007; atualmente desmobilizado de qualquer atividade
profissional.
- Casado
desde 1979 com Vilma Zanette e tendo um casal de filhos; a Larissa, que está
próximo a nós, e o Pável, que nos deixou em definitivo com 17 anos.
- Residência
atual em Balneário Camboriú - SC.
e de um inglês-californiano
Na virada do ano de 2014 aqui no norte catarinense
onde moro, visitou-me um ex-colega de faculdade em Moscou com sua atual esposa
sueca. Ele já tinha sido casado na URSS, com filha de militar soviético de respeitável
patente, e me lembrou que eu tinha sido seu padrinho de casamento de última
hora, em 1973, junto com uma colega mexicana. (Havia esquecido!). Nós moramos juntos, no mesmo quarto, na casa dos
estudantes da Rua Pávlovskaia nos
anos 1972/73/74, com mais um ucraniano.
O sujeito dizia ser colombiano e se chamava Carlos Sanches. Mas que, na
verdade, era da América do Norte, como me relatou agora. Revelou também que
estava vivendo e estudando em Paris quando eclodiu a revolta estudantil de
1968, na qual ele teve participação ativa. Abafada a revolta, foi com o apoio
do serviço secreto soviético - um dos insufladores da mesma - que obteve nova
identidade, a de colombiano, conseguindo assim se evadir da França. (Não é o Carlos Chacal, o venezuelano Ilítch
Ramires, que cumpre pena atualmente na França e que pode ser assunto de uma
crônica futura, pelo breve período convivido em 1968/69.) Mais tarde,
quando Moscou teve conhecimento de outros antecedentes seus, teria sido
considerado pelos soviéticos como espião ou agente duplo. (Queria o que?). Foi neste período que os russos o colocaram a morar comigo e o ucraniano. Certamente o
ucraniano era o olheiro. A
história toda da vida do Carlos é inverossímil à primeira análise. Mas tudo se
liga agora quando ele menciona detalhes e seus motivos, também vividos por mim,
entre os quais os pavorosos pesadelos que o perturbavam à noite, quando aos gritos
pedia por socorro e ajuda, ou ditando ordens. Eu o despertava e o Carlos:...áhhh...tudo bem...tudo bem! (Em 2015, isto me parece um filme de ficção). Evidente que ficou a pão-e-água
por quase três anos. E eu o ajudava sem saber quem ele realmente era e, quando
o questionava, alegava ter perdido o passaporte e, por isso, nem sempre recebia
o estipêndio (bolsa de estudos). Em Moscou, duas semanas antes de recebermos nossos
diplomas de engenheiro agrônomo, ao entrar no quarto eu o encontrei apavorado e
mexendo desordenadamente em papéis. Ao ser perguntado do motivo, disse que
seria deportado para a Finlândia no dia seguinte, e evasivamente, por estar
envolvido em coisas ilegais - pensei em drogas. Eu precisava sair, pois havia
entrado para pegar alguma coisa e ao retornar ao quarto, meia hora depois, para
minha surpresa, nada mais existia do colega colombiano, enquanto que o
ucraniano passou a não mais dormir no quarto nos quinze dias que antecederam
meu retorno ao Brasil. Passados 40 anos, nos reencontramos agora - sem saber do
destino de cada um neste intervalo -, ocasião em que ficaram claros para mim os
detalhes desta história toda que eu não compreendia: O Carlos não foi deportado,
mas sim fugiu da URSS, só com papéis do histórico da faculdade e roupa do
corpo, com auxilio do serviço secreto alemão ocidental, que lá possuía contatos
com certos professores (as) da Alemanha Oriental. Ele agora me afirma que, no
fundo no fundo, eu o ajudei a não morrer de fome e do frio de Moscou, nos seus
três anos de vacas muito magras e de perspectivas aterradoras, sem documentos,
nacionalidade e família. Hoje é cidadão sueco aposentado, casado com esposa
também sueca. Possuem filhos crescidos e já profissionais. Viveram no Brasil
por 7-8 anos no final e início da década de 80 e 90, ocasião em que me
procuraram e não conseguiram me encontrar. Eles tiveram aqui cargos públicos
federais e, também, na iniciativa privada. Ele desejava que alguém comprovasse
para sua família essas histórias inverossímeis, de parte da vida dele. Após a
fuga da URSS, o Carlos jamais retornou ao país de origem. Ele me considera um
irmão, único, pois nada lhe restou emocionalmente da família anterior à sua ida
para a União Soviética.
Em breve o
Carlos me visitará no Brasil. Iremos brindar novamente as belezas da vida e os
seus percalços superados, sabendo que, para muitos, a vida não permitiu
superá-los. E vamos filosofar também!
Foto
1 – Dori (à direita) e sua turma na Sibéria em 1970: esta foi a minha
contribuição para as ferrovias
da Sibéria.
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