segunda-feira, 2 de novembro de 2015

CANTINHO DA SAUDADE



TEMPOS DE ESTUDANTE NA URSS – DORI C. BARBIERI

Crônicas variadas – 1968-1974

PARTE I I – Crônica 3

- Dori Carlos Barbieri, 1946, natural de Seara – SC.
- Formado em Agronomia no ano de 1974 na U.A.P. Patrice Lumumba, Moscou.
- Ao retornar ao Brasil, exerceu atividades profissionais inicialmente  em cooperativa agrícola e, depois, em diversas empresas integradoras de produção animal e de alimentos em funções ligadas à Nutrição Animal ou de Gerência Técnica de Agropecuária em SC, no interior do PR, de SP e no MS.
- Aposentado desde 2007; atualmente desmobilizado de qualquer atividade profissional.
- Casado desde 1979 com Vilma Zanette e tendo um casal de filhos; a Larissa, que está próximo a nós, e o Pável, que nos deixou em definitivo com 17 anos.
- Residência atual em Balneário Camboriú - SC.

3) O ‘colombiano’, de sotaque espanhol-mexicano  
  e de um inglês-californiano
Na virada do ano de 2014 aqui no norte catarinense onde moro, visitou-me um ex-colega de faculdade em Moscou com sua atual esposa sueca. Ele já tinha sido casado na URSS, com filha de militar soviético de respeitável patente, e me lembrou que eu tinha sido seu padrinho de casamento de última hora, em 1973, junto com uma colega mexicana. (Havia esquecido!). Nós moramos juntos, no mesmo quarto, na casa dos estudantes da Rua Pávlovskaia nos anos 1972/73/74, com mais um ucraniano. O sujeito dizia ser colombiano e se chamava Carlos Sanches. Mas que, na verdade, era da América do Norte, como me relatou agora. Revelou também que estava vivendo e estudando em Paris quando eclodiu a revolta estudantil de 1968, na qual ele teve participação ativa. Abafada a revolta, foi com o apoio do serviço secreto soviético - um dos insufladores da mesma - que obteve nova identidade, a de colombiano, conseguindo assim se evadir da França. (Não é o Carlos Chacal, o venezuelano Ilítch Ramires, que cumpre pena atualmente na França e que pode ser assunto de uma crônica futura, pelo breve período convivido em 1968/69.) Mais tarde, quando Moscou teve conhecimento de outros antecedentes seus, teria sido considerado pelos soviéticos como espião ou agente duplo. (Queria o que?). Foi neste período que os russos o colocaram a morar comigo e o ucraniano. Certamente o ucraniano era o olheiro. A história toda da vida do Carlos é inverossímil à primeira análise. Mas tudo se liga agora quando ele menciona detalhes e seus motivos, também vividos por mim, entre os quais os pavorosos pesadelos que o perturbavam à noite, quando aos gritos pedia por socorro e ajuda, ou ditando ordens. Eu o despertava e o Carlos:...áhhh...tudo bem...tudo bem! (Em 2015, isto me parece um filme de ficção). Evidente que ficou a pão-e-água por quase três anos. E eu o ajudava sem saber quem ele realmente era e, quando o questionava, alegava ter perdido o passaporte e, por isso, nem sempre recebia o estipêndio (bolsa de estudos). Em Moscou, duas semanas antes de recebermos nossos diplomas de engenheiro agrônomo, ao entrar no quarto eu o encontrei apavorado e mexendo desordenadamente em papéis. Ao ser perguntado do motivo, disse que seria deportado para a Finlândia no dia seguinte, e evasivamente, por estar envolvido em coisas ilegais - pensei em drogas. Eu precisava sair, pois havia entrado para pegar alguma coisa e ao retornar ao quarto, meia hora depois, para minha surpresa, nada mais existia do colega colombiano, enquanto que o ucraniano passou a não mais dormir no quarto nos quinze dias que antecederam meu retorno ao Brasil. Passados 40 anos, nos reencontramos agora - sem saber do destino de cada um neste intervalo -, ocasião em que ficaram claros para mim os detalhes desta história toda que eu não compreendia: O Carlos não foi deportado, mas sim fugiu da URSS, só com papéis do histórico da faculdade e roupa do corpo, com auxilio do serviço secreto alemão ocidental, que lá possuía contatos com certos professores (as) da Alemanha Oriental. Ele agora me afirma que, no fundo no fundo, eu o ajudei a não morrer de fome e do frio de Moscou, nos seus três anos de vacas muito magras e de perspectivas aterradoras, sem documentos, nacionalidade e família. Hoje é cidadão sueco aposentado, casado com esposa também sueca. Possuem filhos crescidos e já profissionais. Viveram no Brasil por 7-8 anos no final e início da década de 80 e 90, ocasião em que me procuraram e não conseguiram me encontrar. Eles tiveram aqui cargos públicos federais e, também, na iniciativa privada. Ele desejava que alguém comprovasse para sua família essas histórias inverossímeis, de parte da vida dele. Após a fuga da URSS, o Carlos jamais retornou ao país de origem. Ele me considera um irmão, único, pois nada lhe restou emocionalmente da família anterior à sua ida para a União Soviética.

Em breve o Carlos me visitará no Brasil. Iremos brindar novamente as belezas da vida e os seus percalços superados, sabendo que, para muitos, a vida não permitiu superá-los. E vamos filosofar também!

Foto 1 – Dori (à direita) e sua turma na Sibéria em 1970: esta foi a minha 
contribuição para as ferrovias da Sibéria.

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