segunda-feira, 26 de outubro de 2015

O PAPA FRANCISCO

Para mim, não há dúvidas de que o Papa Francisco está mais para Galileu do que para Giordano Bruno. Dizem que nos tempos de arbítrio do regime militar na Argentina – uma ditadura brutal que assassinou milhares de pessoas – o cardeal Mario Jorge Bergoglio teria sido conivente com a repressão, sequestros e assassinatos cometidos pela Junta Militar.
               Giordano Bruno – filósofo napolitano e frade dominicano que viveu no século XVI. Foi condenado à morte na fogueira da Santa Inquisição como herege, por apontar erros teológicos na doutrina da Igreja e por defender o heliocentrismo de Nicolau Copérnico. No Tribunal, ofereceram-lhe a chance de abjurar suas ideias. Não quis! Preferiu morrer a renegá-las.
                Galileu Galilei – considerado o “pai da ciência moderna”, foi um físico, matemático, astrônomo e filósofo italiano que viveu na segunda metade do século XVI e na primeira do século XVII. Avançou muito na comprovação do heliocentrismo. Foi também julgado pela Santa Inquisição e condenado: (1) a abjurar publicamente suas ideias e (b) à prisão perpétua. Seus livros  foram incluídos no Index, portanto censurados e proibidos. De público, Galileu abjurou suas ideias, mas para seus botões, proclamou: eppur si muove! – “contudo ela [a Terra] se move!”.
                A prisão perpétua foi, depois, comutada para confinamento, inclusive em casa. Assim, pôde ele dar sequência às pesquisas e continuar sua contribuição ao desenvolvimento da ciência. Quando Isaac Newton disse: “Se vi mais longe, foi porque me apoiei no ombro de gigantes”, certamente estava se referindo também – e principalmente – a Galileu.
Papa Francisco – O filósofo, escritor e linguista italiano Umberto Eco, em entrevista à jornalista Ilze Sacamparini nesta semana, disse – em brincadeira - uma frase interessante sobre o Papa: “Ele não é argentino, é paraguaio!”. Explicou: ele é um sacerdote herdeiro das tradições jesuíticas do século XVII, que surgiram a partir de 1607 na Província do Paraguai (que compreendia o atual Paraguai, o leste da Bolívia, a Argentina, o Uruguai e o sudoeste do Brasil).
Luiz Carlos Azenha, em excelente texto, ajuda-nos a entender. Ele comenta o episódio em que o presidente Evo Morales deu de presente ao Papa Francisco uma escultura de madeira que mostra Cristo crucificado em foice e martelo. Representantes da grande mídia latino-americana e brasileira chamaram de “aberração” e de “estupidez” a atitude de Evo.
             Pior, faltando com a verdade ao dizer que o Papa teria manifestado desconforto com o presente e dito “Não se faz isso!”, quando o áudio deixa claro que o que ele disse, sorrindo, depois que Evo explicou a origem do mesmo, foi: “Não sabia disso!”. Afinal, Francisco – jesuíta que é - não desconhece a experiência histórica da Companhia de Jesus, que criou a chamada “República Comunista Cristã dos Guarani”. Foi ela que, por mais de um século e meio, permitiu que os índios, “acedessem ao estatuto de cidadãos livres, em tudo semelhantes aos espanhóis e, em muitos aspectos, culturalmente superiores”.
             O que a mídia conservadora não sabe – ou esconde -, é que a referida escultura de Cristo crucificado em foice e martelo é uma reprodução daquela criada pelo padre jesuíta espanhol Luis Espinal, um teólogo da libertação que tinha ligação com os movimentos sociais da Bolívia e que foi assassinado por paramilitares bolivianos em 1980. Por outro lado, o Papa Francisco sabe que a foice e o martelo, em cruz, simbolizam a unidade dos camponeses e operários.
           Por sua coragem de retomar os princípios básicos da Teologia da Libertação e de denunciar o capitalismo selvagem, chamando-o de “ditadura sutil”, os setores conservadores brasileiros e latino-americanos odeiam o Papa Francisco. Neste sentido, o comentário de Paulo Henrique Amorim é preciso: “No Brasil de hoje, se dependesse da oposição que temos o pontífice, provavelmente, estaria sujeito a um processo de impeachment ou coisa parecida. Isso se alguém não pedisse a recontagem dos votos dos cardeais que o elegeram”.
                Não há dúvidas de que o Papa Francisco é um papa que está anos-luz à frente de todos os seus antecessores. O sorriso constante em seus lábios e a coragem de dizer a quem precisa ouvir as verdades que precisam ser ditas – principalmente aos que se consideram donos do Mundo e que vivem a promover a destruição e a barbárie – faz dele um papa com um lugar de destaque em toda a história do Vaticano.
            Principalmente por sua simplicidade e humanismo!
            O papel que ele teve na reaproximação diplomática entre Cuba e os EUA e – numa mediação junto com Raul Castro – na construção do acordo entre o governo colombiano e as FARC’s, como passo decisivo para alcançar uma paz definitiva no país depois de 50 anos de guerra civil, fala também de sua estatura política.
            Como diz Mauro Santayana, “Francisco é um farol a iluminar o que resta de sensatez na espécie humana – uma bússola para indicar o caminho nestes tempos sombrios, em que as forças do ódio e do atraso insistem em tentar impedir que amanheça, neste novo século, um novo dia”.

Emerson Leal – Ex-vice-prefeito de São Carlos por dois mandatos.

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