O PAPA FRANCISCO
Para mim, não há dúvidas de que o
Papa Francisco está mais para Galileu do que para Giordano Bruno. Dizem que nos
tempos de arbítrio do regime militar na Argentina – uma ditadura brutal que assassinou
milhares de pessoas – o cardeal Mario Jorge Bergoglio teria sido conivente com
a repressão, sequestros e assassinatos cometidos pela Junta Militar.
Giordano
Bruno – filósofo napolitano e frade dominicano que
viveu no século XVI. Foi condenado à morte na fogueira da Santa Inquisição como
herege, por apontar erros teológicos na doutrina da Igreja e por defender o
heliocentrismo de Nicolau Copérnico. No Tribunal, ofereceram-lhe a chance de
abjurar suas ideias. Não quis! Preferiu morrer a renegá-las.
Galileu Galilei –
considerado o “pai da ciência moderna”, foi um físico, matemático, astrônomo e
filósofo italiano que viveu na segunda metade do século XVI e na primeira do
século XVII. Avançou muito na comprovação do heliocentrismo. Foi também julgado
pela Santa Inquisição e condenado: (1) a abjurar publicamente suas ideias e (b)
à prisão perpétua. Seus livros foram incluídos no Index,
portanto censurados e proibidos. De público, Galileu abjurou suas ideias, mas
para seus botões, proclamou: eppur si muove! – “contudo ela [a
Terra] se move!”.
A prisão perpétua foi, depois, comutada para
confinamento, inclusive em casa. Assim, pôde ele dar sequência às pesquisas e
continuar sua contribuição ao desenvolvimento da ciência. Quando Isaac Newton
disse: “Se vi mais longe, foi porque me apoiei no ombro de gigantes”,
certamente estava se referindo também – e principalmente – a Galileu.
Papa
Francisco – O filósofo, escritor e linguista
italiano Umberto Eco, em entrevista à jornalista Ilze Sacamparini nesta semana,
disse – em brincadeira - uma frase interessante sobre o Papa: “Ele não é
argentino, é paraguaio!”. Explicou: ele é um sacerdote herdeiro das tradições
jesuíticas do século XVII, que surgiram a partir de 1607 na Província do
Paraguai (que compreendia o atual Paraguai, o leste da Bolívia, a Argentina, o
Uruguai e o sudoeste do Brasil).
Luiz Carlos Azenha, em excelente
texto, ajuda-nos a entender. Ele comenta o episódio em
que o presidente Evo Morales deu de presente ao Papa Francisco uma escultura de
madeira que mostra Cristo crucificado em foice e martelo. Representantes da grande
mídia latino-americana e brasileira chamaram de “aberração” e de “estupidez” a
atitude de Evo.
Pior,
faltando com a verdade ao dizer que o Papa teria manifestado desconforto com o
presente e dito “Não se faz isso!”, quando o áudio deixa claro que o que ele
disse, sorrindo, depois que Evo explicou a origem do mesmo, foi: “Não sabia
disso!”. Afinal, Francisco – jesuíta que é - não desconhece a experiência
histórica da Companhia de Jesus, que criou a chamada “República Comunista
Cristã dos Guarani”. Foi ela que, por mais de um século e meio, permitiu
que os índios, “acedessem ao estatuto de cidadãos livres, em tudo semelhantes
aos espanhóis e, em muitos aspectos, culturalmente superiores”.
O
que a mídia conservadora não sabe – ou esconde -, é que a referida escultura de
Cristo crucificado em foice e martelo é uma reprodução daquela criada pelo
padre jesuíta espanhol Luis Espinal, um teólogo da libertação que
tinha ligação com os movimentos sociais da Bolívia e que foi assassinado por
paramilitares bolivianos em 1980. Por outro lado, o
Papa Francisco sabe que a foice e o martelo, em cruz, simbolizam a unidade dos
camponeses e operários.
Por sua
coragem de retomar os princípios básicos da Teologia da Libertação e de denunciar
o capitalismo selvagem, chamando-o de “ditadura sutil”, os setores
conservadores brasileiros e latino-americanos odeiam o Papa Francisco. Neste
sentido, o comentário de Paulo Henrique Amorim é preciso: “No Brasil de hoje, se dependesse da oposição que temos o
pontífice, provavelmente, estaria sujeito a um processo de impeachment ou coisa
parecida. Isso se alguém não pedisse a recontagem dos votos dos cardeais que o
elegeram”.
Não há dúvidas de que o Papa Francisco é um papa que está anos-luz à
frente de todos os seus antecessores. O sorriso constante em seus lábios e a
coragem de dizer a quem precisa ouvir as verdades que precisam ser ditas –
principalmente aos que se consideram donos do Mundo e que vivem a promover a
destruição e a barbárie – faz dele um papa com um lugar de destaque em toda a
história do Vaticano.
Principalmente por sua simplicidade e humanismo!
O papel que ele teve na reaproximação diplomática entre Cuba e os EUA e – numa
mediação junto com Raul Castro – na construção do acordo entre o governo
colombiano e as FARC’s, como passo decisivo para alcançar uma paz definitiva no
país depois de 50 anos de guerra civil, fala também de sua estatura política.
Como diz Mauro Santayana, “Francisco é um farol a iluminar o que
resta de sensatez na espécie humana – uma bússola para indicar o caminho nestes
tempos sombrios, em que as forças do ódio e do atraso insistem em tentar
impedir que amanheça, neste novo século, um novo dia”.
Emerson Leal – Ex-vice-prefeito de São Carlos por
dois mandatos.
Email: emersonplus@yahoo.com
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