quinta-feira, 8 de outubro de 2015

CANTINHO DA SAUDADE

TEMPOS DE ESTUDANTE NA CCCP – DORI C. BARBIERI

Crônicas variadas – 1968-1974

PARTE I – Crônicas 1 e 2

Os anos vividos por mim como estudante na URSS, na Universidade Patrice Lumumba, propiciaram oportunidades de vivenciar situações, embora ocorridas a quase meio século, ainda permanecem um tanto quanto exóticas, apesar da velocidade com que acontece a desmistificação deste tipo de ocorrência. Eu as considero como uma bagagem da vida, fundidas no mérito e na sorte. A internet tem resgatado situações passadas, que em reavivando minhas lembranças e emoções, justificam deixá-las aqui registradas.

Foto 1 - Dori com esposa (Vilma) e filha (Larissa).

1) Final de dezembro de 1968, no Baikonur? - Não havia se passado quatro meses de CCCP e eu mal conseguia pedir comida e cumprimentar as pessoas em russo. O Caio, o paulista de Itapira, me convida e insiste para que passemos as férias de inverno na região de Tashkent – Uzbekistão, cidade onde tinha ocorrido um terremoto devastador, dois anos antes. Com alguma dificuldade compramos as passagens aéreas, até porque, não sabíamos da necessidade de autorização da universidade para se ausentar de Moscou. Sem hotel ou outro local reservado para onde ficar no Uzbekistão, embarcamos num Iliuchim 18, avião semelhante aos Electra 2, que faziam a ponte aérea Rio-SP nos anos 60 e 70. Na metade do caminho veio um aviso mal compreendido por nós, de que iríamos pousar num aeroporto aleatório antes do destino final, pois estava ocorrendo em toda a Ásia Central uma forte nevasca que impediria o pouso em Tashkent. Já na pista do aeroporto situado num deserto, pediram para não mexer com máquinas fotográficas. Hoje com a internet, avaliando rotas, aeroportos e fotografias de satélite, sem dúvida alguma, estávamos pousados num dos aeroportos do complexo aeroespacial supersecreto do Baikonur, no Kazakistão. Fomos encaminhados para um hangar mais parecido com um galpão de depósito ou até mesmo, com um grande estábulo. Dentro do hangar já estavam passageiros de 4-5 aviões desviados e já pousados. O frio no exterior era de uns 30-35 graus negativos e no interior mesmo com dois latões centrais com fogo, era de uns 5-8 graus, também negativos. Ficamos ali meio empilhados, encostados quase um contra o outro, para se aquecer. No período que ficamos ali, 30-40 horas, houve chá de samovar e algumas fatias de prastôi rliéb. Quando finalmente embarcamos, o Caio insistiu que eu batesse fotografias. Mesmo com a segurança tentando impedir, fiz três fotos. Uma delas com o horizonte e um avião ao fundo, e daí, queriam nos tomar a máquina... Graças à “arguição” do Caio, isto não ocorreu. A viagem teve sequência até Tashkent. O ocorrido depois na peregrinação dos “dois patetas” verde-amarelos, carregando malas nos confins da CCCP, procurando hospedagem no frio que ainda era intenso, é outra história. Acredito que nos tempos de URSS, de brasileiros no polígono do Baikonur, somente o Caio e eu – embora, sem consciência do fato na época.


Foto 2 - Dori num dos aeroportos supersecretos do Baikonur, Kazaquistão, dezembro de 1968.


2) Sibéria 1969 e 1970 “studientcheskie stroítelnye otriady”. - Por duas vezes estive trabalhando na Sibéria, numa região quase seguindo o curso do rio Angará, que sai do lago Baikal e segue para o norte. No inicio do rio junto ao Baikal, existe a hidroelétrica de Irkutsk; depois vem a de Bratsk, a maior do mundo na época. Esta havia sido inaugurada em 1968, um ano antes da minha primeira participação num tipo de projeto similar ao “Projeto Rondon” brasileiro. Nosso grupo tinha umas 100 pessoas, sendo umas 90 soviéticas. De brasileiros comigo estavam o gaúcho Muller, o baiano E. Pavese e o capixaba Edson. Creio que o saudoso amigo Acácio, esteve junto no ano de 1970. Nosso serviço era a manutenção da estrada de ferro, que ligava a cidade e hidroelétrica de Bratsk com a de Ust Ilimsk, na cidade de mesmo nome. A alguns quilômetros desta cidade havia a vila de Nova Iguirma e junto a ela, num platô à beira de um riacho que seria inundado pela nova barragem, estava nosso acampamento composto de seis barracões. Dois deles permanentes; um como refeitório e o outro como administração e depósito; mais quatro barracões-dormitórios de lona desmontáveis, completavam o acampamento. Em relação às demais hidroelétricas, a sequência do rio Angará neste local, era de rio-abaixo, mas como corria para o norte, consideremos, rio-acima. A ferrovia feita dois anos antes sofria acomodações pela cristalização da umidade do solo nos aterros, no inverno - fato comum pela falta de compactação nos verões curtos. No final do verão seguinte, o nível da estrada já era de “altos e baixos”. Nós fazíamos o nivelamento e colocávamos as curvas da estrada novamente nos “eixos”. O trabalho de 12-14 horas por dia era muito cansativo. O dia acontecia da 1h00 da madrugada até às 23h00, em julho. No inverno - não estive lá nesta estação - era o inverso. Folga só aos domingos, quando o ambiente no acampamento era florido de “mocinhas da cidade” (vila). Após o jantar, o acampamento também florescia. Nos trilhos da estrada, durante os 10 minutos de descanso, igualmente, não havia tristeza. Quero voltar prá Bratsk: encontrei no youtube um filme sobre a inauguração e homenagem às gerações que construíram a hidroelétrica de Bratsk em 1968. Primeiro me senti partícipe e depois, tomado pela emoção e nostalgia de uma juventude passada e reascendida nas recordações provocadas pela música e letra maravilhosas de “Praxanie c Bratskom” de Alexandra Pármotova – ela bate forte no meu intelecto e na minha alma. Recomendo ver.


Foto 3 - Dori (no canto direito), Sibéria 1970. Centrando os trilhos nos eixos (ferrovia entre a hidroelétrica de Bratsk e Ust Ilimsk).


Foto 4 - Dori (de lenço na cabeça), Sibéria 1969. Compactação e nivelamento da ferrovia.


Foto 5 – Dori na Sibéria, 1970. Crianças locais pescam após o vertedouro da hidroelétrica de Bratsk.Este local aparece com um comboio de caminhões no filme da inauguração no ‘youtube’.


 Foto 6 - Dori entre uma bielorussa e uma russa durante intervalo de trabalho na Sibéria, 1970.

   

  
Foto 7 – Na ferrovia Bratsk-Ust Ilimsk - 1969. O descanso do trabalhador.




7 comentários:

  1. Adorei suas crônicas. Fiquei muita emocionada com sua história de vida. Continue escrevendo. Talvez um dos únicos brasileiros que esteve no Baikonur. Dolores

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  2. Conheço vc de S.Francisco, sua escrita é muito interessante, parabéns.Mariza

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  3. Conheci vc quando morava em S.Francisco,suas crônicas são ótimas, parabéns.
    Mariza

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    1. Oi Mariza,
      Feliz por ter agradado vc!!
      Lembro do seu nome mas não da fisionomia, pois essas crônicas foram escritasjustamente para que, não mais pessoas fujam da minha memória !!!
      Abraço Dori

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  4. Baita Crônica Dori, histórias que marcam a vida, parabéns pela experiência de vida !!!!

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  5. Que legal Dori! Deixou uma bela historia e uma grande experiência e ser contada... Parabéns!!! - Ass. Francis

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