CANTINHO DA SAUDADE
TEMPOS DE ESTUDANTE NA CCCP – DORI C. BARBIERI
PARTE I – Crônicas 1 e 2
Os anos vividos por
mim como estudante na URSS, na Universidade Patrice Lumumba, propiciaram
oportunidades de vivenciar situações, embora ocorridas a quase meio século,
ainda permanecem um tanto quanto exóticas, apesar da velocidade com que acontece
a desmistificação deste tipo de ocorrência. Eu as considero como uma bagagem da
vida, fundidas no mérito e na sorte. A internet tem resgatado situações
passadas, que em reavivando minhas lembranças e emoções, justificam deixá-las
aqui registradas.
Foto 1 - Dori com esposa
(Vilma) e filha (Larissa).
1) Final de dezembro de 1968,
no Baikonur? - Não havia se passado quatro meses de CCCP e eu mal conseguia
pedir comida e cumprimentar as pessoas em russo. O Caio, o paulista de Itapira,
me convida e insiste para que passemos as férias de inverno na região de Tashkent
– Uzbekistão, cidade onde tinha ocorrido um terremoto devastador, dois anos
antes. Com alguma dificuldade compramos as passagens aéreas, até porque, não
sabíamos da necessidade de autorização da universidade para se ausentar de
Moscou. Sem hotel ou outro local reservado para onde ficar no Uzbekistão,
embarcamos num Iliuchim 18, avião semelhante aos Electra 2, que faziam a ponte
aérea Rio-SP nos anos 60 e 70. Na metade do caminho veio um aviso mal
compreendido por nós, de que iríamos pousar num aeroporto aleatório antes do
destino final, pois estava ocorrendo em toda a Ásia Central uma forte nevasca
que impediria o pouso em Tashkent. Já na pista do aeroporto situado num
deserto, pediram para não mexer com máquinas fotográficas. Hoje com a internet,
avaliando rotas, aeroportos e fotografias de satélite, sem dúvida alguma,
estávamos pousados num dos aeroportos do complexo aeroespacial supersecreto do
Baikonur, no Kazakistão. Fomos encaminhados para um hangar mais parecido com um
galpão de depósito ou até mesmo, com um grande estábulo. Dentro do hangar já estavam
passageiros de 4-5 aviões desviados e já pousados. O frio no exterior era de
uns 30-35 graus negativos e no interior mesmo com dois latões centrais com
fogo, era de uns 5-8 graus, também negativos. Ficamos ali meio empilhados,
encostados quase um contra o outro, para se aquecer. No período que ficamos
ali, 30-40 horas, houve chá de samovar e algumas fatias de prastôi rliéb.
Quando finalmente embarcamos, o Caio insistiu que eu batesse fotografias. Mesmo
com a segurança tentando impedir, fiz três fotos. Uma delas com o horizonte e
um avião ao fundo, e daí, queriam nos tomar a máquina... Graças à “arguição” do
Caio, isto não ocorreu. A viagem teve sequência até Tashkent. O ocorrido depois
na peregrinação dos “dois patetas” verde-amarelos, carregando malas nos confins
da CCCP, procurando hospedagem no frio que ainda era intenso, é outra história.
Acredito que nos tempos de URSS, de brasileiros no polígono do Baikonur, somente
o Caio e eu – embora, sem consciência do fato na época.
Foto 2 - Dori num dos aeroportos supersecretos do Baikonur, Kazaquistão, dezembro de 1968.
2) Sibéria
1969 e 1970 “studientcheskie stroítelnye otriady”. - Por duas vezes
estive trabalhando na Sibéria, numa região quase seguindo o curso do rio Angará,
que sai do lago Baikal e segue para o norte. No inicio do rio junto ao Baikal,
existe a hidroelétrica de Irkutsk; depois vem a de Bratsk, a maior do mundo na
época. Esta havia sido inaugurada em 1968, um ano antes da minha primeira
participação num tipo de projeto similar ao “Projeto Rondon” brasileiro. Nosso
grupo tinha umas 100 pessoas, sendo umas 90 soviéticas. De brasileiros comigo
estavam o gaúcho Muller, o baiano E. Pavese e o capixaba Edson. Creio que o
saudoso amigo Acácio, esteve junto no ano de 1970. Nosso serviço era a
manutenção da estrada de ferro, que ligava a cidade e hidroelétrica de Bratsk
com a de Ust Ilimsk, na cidade de mesmo nome. A alguns quilômetros desta cidade
havia a vila de Nova Iguirma e junto a ela, num platô à beira de um riacho que
seria inundado pela nova barragem, estava nosso acampamento composto de seis barracões.
Dois deles permanentes; um como refeitório e o outro como administração e
depósito; mais quatro barracões-dormitórios de lona desmontáveis, completavam o
acampamento. Em relação às demais hidroelétricas, a sequência do rio Angará
neste local, era de rio-abaixo, mas como corria para o norte, consideremos,
rio-acima. A ferrovia feita dois anos antes sofria acomodações pela
cristalização da umidade do solo nos aterros, no inverno - fato comum pela
falta de compactação nos verões curtos. No final do verão seguinte, o nível da
estrada já era de “altos e baixos”. Nós fazíamos o nivelamento e colocávamos as
curvas da estrada novamente nos “eixos”. O trabalho de 12-14 horas por dia era
muito cansativo. O dia acontecia da 1h00 da madrugada até às 23h00, em julho. No
inverno - não estive lá nesta estação - era o inverso. Folga só aos domingos,
quando o ambiente no acampamento era florido de “mocinhas da cidade” (vila).
Após o jantar, o acampamento também florescia. Nos trilhos da estrada, durante
os 10 minutos de descanso, igualmente, não havia tristeza. Quero voltar prá
Bratsk: encontrei no
youtube um filme sobre a inauguração e homenagem às gerações que construíram a
hidroelétrica de Bratsk em 1968. Primeiro me senti partícipe e depois, tomado
pela emoção e nostalgia de uma juventude passada e reascendida nas recordações
provocadas pela música e letra maravilhosas de “Praxanie c Bratskom” de
Alexandra Pármotova – ela bate forte no meu intelecto e na minha alma. Recomendo
ver.
Foto 3 - Dori (no
canto direito), Sibéria 1970. Centrando os trilhos nos eixos (ferrovia entre a
hidroelétrica de Bratsk e Ust Ilimsk).
Foto 4 - Dori (de lenço na cabeça), Sibéria 1969.
Compactação e nivelamento da ferrovia.
Foto 5 – Dori na Sibéria, 1970. Crianças locais pescam após o vertedouro
da hidroelétrica de Bratsk.Este
local aparece com um comboio de caminhões no filme da inauguração no ‘youtube’.
Foto 7 – Na ferrovia Bratsk-Ust Ilimsk - 1969. O
descanso do trabalhador.
Adorei suas crônicas. Fiquei muita emocionada com sua história de vida. Continue escrevendo. Talvez um dos únicos brasileiros que esteve no Baikonur. Dolores
ResponderExcluirConheço vc de S.Francisco, sua escrita é muito interessante, parabéns.Mariza
ResponderExcluirConheci vc quando morava em S.Francisco,suas crônicas são ótimas, parabéns.
ResponderExcluirMariza
Oi Mariza,
ExcluirFeliz por ter agradado vc!!
Lembro do seu nome mas não da fisionomia, pois essas crônicas foram escritasjustamente para que, não mais pessoas fujam da minha memória !!!
Abraço Dori
Muito emocionante
ResponderExcluirBaita Crônica Dori, histórias que marcam a vida, parabéns pela experiência de vida !!!!
ResponderExcluirQue legal Dori! Deixou uma bela historia e uma grande experiência e ser contada... Parabéns!!! - Ass. Francis
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