Crônicas
variadas – 1968-1974
Os
anos vividos por mim como estudante na URSS, na Universidade Patrice Lumumba,
propiciaram oportunidades de vivenciar situações, embora ocorridas a quase meio
século, ainda permanecem um tanto quanto exóticas, apesar da velocidade com que
acontece a desmistificação deste tipo de ocorrência. Eu as considero como uma
bagagem da vida, fundidas no mérito e na sorte. A internet tem resgatados
situações passadas, que em reavivando minhas lembranças e emoções, justificam
deixá-las aqui registradas.
Foto 1
- Xanxerê, SC -1974: retorno ao antigo lar
do Dori, com os pais Theodoro e Cedalina, mais a tia Dozolina, que sempre
pediram que escrevesse alguma coisa sobre a URSS e eu não lhes atendi em vida.
Minha homenagem agora, para eles.
Crônica 5 – Uma aventura no deserto do Kirguistão, 1972 – Parte I
Na primavera e verão no hemisfério norte, entre os meses de abril e
setembro de 1972, a população do vilarejo de Páhta-Aral – sede da fazenda
coletiva (kolhóz) de mesmo nome na república soviética do Kazaquistão, próximo
a uma tríplice fronteira com o Uzbequistão e o Kirguistão – ficara atenta e
curiosa com os novos visitantes estrangeiros, estagiários do curso de agronomia
vindos da capital do país, a distante Moscou. Alguns deles realizavam suas
atividades nos 20 mil hectares de plantações, setenta por cento das quais de
algodão; para outros estagiários, entre os quais eu, as atividades ocorriam
junto à Estação Agrícola Experimental local conduzindo as pequenas lavouras de
testes e nos laboratórios. Além dos estudantes estrangeiros de Moscou, também
faziam estágio alguns estudantes nativos das antigas repúblicas soviéticas da
Ásia Central. A atenção da população local para conosco talvez se devesse ao
fato histórico de que, na segunda metade do século XIII, Marco Polo passara por
ali, consolidando o caminho-da-seda.
Agora chegou a vez de outros estrangeiros “reabrirem” novamente a rota-da-seda!
Certo dia, no mês de agosto, um estagiário da estação
experimental, cuja família morava na república vizinha do Kirguistão, com o
qual eu mantinha um relacionamento distante mesmo nos vendo pelos corredores
todos os dias, surpreendentemente me convidou e pediu-me que reservasse algum
tempo para, junto com ele, visitar a casa dos seus familiares.
O kirguiz sempre se comportava de forma
muito reservada para comigo e com os outros estrangeiros que lá,
temporariamente, estavam fazendo seus estágios. A casa da família dele ficava
bem distante de Páhta-Aral, nas estepes (pradarias) que eram quase um deserto.
Se fôssemos adiante, bem além da casa, iríamos encontrar o Planalto do Pamir,
por onde passou Marco Polo. Nesta visita, ele providenciaria tudo e iríamos com
seu carro. Surpreso, eu lhe perguntei, por que era eu o
convidado. A resposta foi que não me preocupasse, pois meu amigo africano da
República do Záire, o Mbui Cloude, iria também.
Na noite daquele dia na pousada, o Mbui me disse que o tal
estagiário kirguiz o vinha
convidando, fazia dias, para esta visita e ele, por temer alguma surpresa,
condicionava a aceitação, à ida de mais um outro colega seu. Cheguei à óbvia
conclusão que o verdadeiro convidado não era eu e sim, o meu amigo africano.
Entretanto, fiquei contente com a oportunidade de conhecer um pouco mais da
região e decifrar a cabeça do colega nativo. Depois de uns vinte dias sem se
ouvir mais menção sobre o assunto, pensamos que o nosso futuro anfitrião havia
recuado do convite, mas não. Num dos dias subsequentes ele nos pediu que, no
dia seguinte, após o trabalho na estação experimental, nós dois não
retornássemos de ônibus para a nossa pousada, que ficava a uns 20 km do local,
pois iríamos visitar seus familiares com seu carro e participar de uma
solenidade ou coisa parecida. Depois, nos traria de volta até a pousada.
Foto 2 – Mbui e Dori: estágios na República da Moldávia,
próximo à cidade de Dubassar, 1971
No dia seguinte, ficamos esperando por ele após o trabalho na estação
experimental. Deu 19 horas... 20 horas..., e nada do colega. (Um novo ônibus
para a nossa pousada só partiria no dia seguinte!). Passava das 20 horas, já
estava um pouco escuro – era verão – quando ele apareceu com o carro e pediu
para esperarmos um pouco mais. – Mas, por
que? - Porque nós precisamos chegar à casa já no escuro total, respondeu o kirguiz - !?!?!?... (O Mbui tinha razão
em exigir a companhia de alguém mais, pensei). Embarcamos no volga - carro equivalente a um opala, na
época no Brasil - e depois de rodar longo tempo por uma estrada de asfalto
compactado, sem ter visão do que havia por onde estávamos passando, chegamos a
um lugar com três ou quatro tendas, ou casas mal iluminadas que, mesmo com
ajuda da luz das estrelas e da lua, eu não conseguia definir. Foi possível
sentir que ali próximo havia ovelhas e também cavalos e asnos, abundantes na
região. Eu notava que o Mbui estava muito mais preocupado do que eu. A partir
de então, ele quase não mais falou – no
seu semblante somente se viam aquelas
duas bagas de olhos cintilarem sobre seus lábios trementes!
(Continua na parte II)
Coisas interessantes que fazem parte de culturas diferentes.Quando as presenciamos nos fazem refletir sobre nossas atitudes e comportamentos e porquê não dizer ¨medos ¨.
ResponderExcluirDepois disto podemos concluir que estamos indo numa direção oposta a estas culturas orientais que prezam pelo respeito e reconhecimento acima de tudo para com os pais e idosos.