terça-feira, 24 de novembro de 2015

Comunicado – A Rússia em Pauta

André Luis Paulo Tomasi–Vshivtsev, que fez o curso de Física na Universidade de Moscou – Lomonosov de 2007 a 2013, tem se especializado em planejamento de passeios turísticos e formação de grupos para viajar à Rússia. Ao lado disso, presta assessoria para quem desejar estudar nesse país. Ele oferece ainda cursos de russo com duração de 4 a 18 meses, preparando as pessoas para o aprendizado e o conhecimento da língua e da cultura russas.
Os interessados poderão entrar em contato com André Tomasi pelo e-mail: “andre@cbr.tur.br” e site: “www.cbr.tur.br”.


terça-feira, 17 de novembro de 2015

CANTINHO DA SAUDADE

TEMPOS DE ESTUDANTE NA URSS – DORI C. BARBIERI

Crônicas variadas – 1968-1974

PARTE III – Crônica 4 (Continuação da crônica 1): ...1968 no Baikonur e em Tashkent -  Uzbekistão


Após as infindáveis horas vividas no inferno gelado dentro do hangar, anunciou-se que em breve embarcaríamos no IL-18 para Tashkent, imaginamos que o suplício estava terminando. Mera ilusão! No curto trajeto até a aeronave na pista, ocorreram as fotografias mencionadas anteriormente e na sequência, subi a escada do avião sentindo as luvas parecer grudando no corrimão da mesma, mas imaginando encontrar, ao final, um salão de passageiros caloroso e confortável.

Foto 1 - Embarque no Baikonur: Dori e o guarda kazak que queria impedir as fotos

O avião passara dezenas de horas ao relento e todo ele havia alcançado inclusive internamente, a temperatura do ambiente externo, com 30 ou mais graus negativos, não mostrando ainda, nenhum sinal de vida própria. Pensei que minhas roupas pudessem grudar no assento – Não grudaram! Mesmo com todos os passageiros sentados, a porta permanecia aberta e a aeronave, sem vida mecânica. Só depois de meio-hora foi possível ver as hélices de apenas um dos motores se mover. Nos dez minutos iniciais, os giros delas eram como a de um ponteiro dos segundos de um relógio. Às vezes paravam para depois recomeçar a girar com mais rapidez. Finalmente, ocorreu a explosão interna própria do motor. Creio que só para este primeiro motor, e eram quatro, passaram-se uns 50 minutos para atingir giro máximo. Quanto ao aquecimento interno, nada! Exceto o calor humano e o vapor das narinas, que a essa altura ajudavam aquecer o avião. Assim, com este gasto de tempo do primeiro motor, sucessivamente foram ligados os três motores turbo hélice restantes. Creio que o procedimento consumiu umas três horas de espera, tempo suficiente para nós, os passageiros, esquentássemos o interior do avião, ou para morrer sufocados se a porta não tivesse estado aberta. Certamente, foi explicado aos demais passageiros em língua russa e uzbeke o motivo daquela lentidão, que só fomos entender mais tarde: rolamentos, mancais, eixos e peças móveis quando expostos a temperaturas tão baixas, são como cristais que, com o menor impacto ou atrito, podem se danificar.

Ao chegarmos a Tashkent, procuramos um taxi e rumamos para o Hotel Intourist, o hotel dos turistas na URSS, com passaportes de estrangeiros, conversa de estrangeiros e o mais importante, moeda forte - as verdinhas se fosse preciso, o Caio disse que tinha em espécie, e eu, em travellers. Tudo em vão. Os funcionários e o gerente do hotel foram inflexíveis: Só com reserva prévia. E o hotel, parecia vazio. (Penso agora, que o forte frio atípico para a região pôde ter provocado o colapso do sistema de aquecimento e tinham vergonha de admitir isto para duas autoridades brasileiras). Contudo, ajudaram-nos ligando para outros lugares e no final, nos indicaram um tipo de pousada para onde o taxista nos conduziu.  Mas lá, não recebiam estrangeiros. Voltamos ao hotel para tentar de novo e de novo, nada. O final do dia se aproximava e o pavor do frio, assustava. O taxista nos levou então para uma casa de estudantes. Mas, aproveitando a ausência dos estudantes que haviam entrado em férias, o sistema de calefação estava em manutenção. Creio que foi o taxista que convenceu um casal de velhinhos que cuidava do local a nos receber para pernoitar. O vovô e a vovó nos alertaram que, água quente só havia no andar térreo, próximo à cozinha, e o quarto, seria no terceiro andar, só com cama e roupas, sem calefação. Tínhamos chegado ao paraíso!

 
            
 Foto 2 - Dori em frente à Casa de Estudantes            Foto 3 - Caio e Dori passeando por Tashkent

Na manhã seguinte o casal nos serviu o “café” (na realidade o chá) e começamos a nos apresentarmos. O fato de sermos da terra do Pelé e Garrincha – algozes dos russos na copa de 58 – selou nossa amizade. (Algozes, pela frustração causada e não por outro motivo.)  Mandamos todos os hotéis e palácios da cidade às favas e fizemos do local, nossa base verde-amarela na União Soviética. Saíamos de manhã para conhecer a cidade e seus arredores, situada junto à antiga rota da seda e voltávamos ao final da tarde.
Vimos e vivemos os costumes e os hábitos da culinária local: macarrão e variedades de tortéis, chás de primeiríssima (no sabor) acompanhados de pelotas de queijo duro de cabra para roer, passas de frutas ou melão seco, discos de pão assado na pedra ou em tijolos, o risoto plôv e os espetinhos deliciosos de carne de ovelha karakul, cuja parte mais apreciada é o rabo, que tem a forma e textura de um cupim de zebu, pendurado na traseira.

Frequentamos as mesquitas e os barzinhos da cidade, aliás, as casas de chá daquele povo amável. (Os burocratas antipáticos do hotel deviam ser, todos russos!)

Foto 4 - Dori e o lanche de espetinho de ovelha com macarrão e a chaleira do chá

        
     Foto 5 - Dori defronte a uma mesquita                          Foto 6 – Dori e um Uzbek típico -
                             da cidade velha                                                               Tashkent 1968        
                                 
        
                             Foto 7 - Dori numa Casa de Chá típica da época - Tashkent 1968

O frio amainava aos poucos, mas ainda era muito forte e nos torturava. Depois de quatro ou cinco dias em Tashkent decidimos voltar para Moscou. Uma das formas de gastar as infindáveis noites das férias no inverno de janeiro era jogando canastra com brasileiros e latinos no quarto do Carioquinha na Rua Mosfilm. Ali o revezamento dos presentes entre as partidas e o preparo de feijoadas ou macarronadas nas madrugadas, era intenso e agitado. O Caio, creio eu, passou o resto das férias de inverno se aquecendo nas saunas de Moscou, pois andou meio desaparecido.
Foi este o meu batismo na Ásia Central em tempos de um rigoroso inverno russo.




segunda-feira, 2 de novembro de 2015

CANTINHO DA SAUDADE



TEMPOS DE ESTUDANTE NA URSS – DORI C. BARBIERI

Crônicas variadas – 1968-1974

PARTE I I – Crônica 3

- Dori Carlos Barbieri, 1946, natural de Seara – SC.
- Formado em Agronomia no ano de 1974 na U.A.P. Patrice Lumumba, Moscou.
- Ao retornar ao Brasil, exerceu atividades profissionais inicialmente  em cooperativa agrícola e, depois, em diversas empresas integradoras de produção animal e de alimentos em funções ligadas à Nutrição Animal ou de Gerência Técnica de Agropecuária em SC, no interior do PR, de SP e no MS.
- Aposentado desde 2007; atualmente desmobilizado de qualquer atividade profissional.
- Casado desde 1979 com Vilma Zanette e tendo um casal de filhos; a Larissa, que está próximo a nós, e o Pável, que nos deixou em definitivo com 17 anos.
- Residência atual em Balneário Camboriú - SC.

3) O ‘colombiano’, de sotaque espanhol-mexicano  
  e de um inglês-californiano
Na virada do ano de 2014 aqui no norte catarinense onde moro, visitou-me um ex-colega de faculdade em Moscou com sua atual esposa sueca. Ele já tinha sido casado na URSS, com filha de militar soviético de respeitável patente, e me lembrou que eu tinha sido seu padrinho de casamento de última hora, em 1973, junto com uma colega mexicana. (Havia esquecido!). Nós moramos juntos, no mesmo quarto, na casa dos estudantes da Rua Pávlovskaia nos anos 1972/73/74, com mais um ucraniano. O sujeito dizia ser colombiano e se chamava Carlos Sanches. Mas que, na verdade, era da América do Norte, como me relatou agora. Revelou também que estava vivendo e estudando em Paris quando eclodiu a revolta estudantil de 1968, na qual ele teve participação ativa. Abafada a revolta, foi com o apoio do serviço secreto soviético - um dos insufladores da mesma - que obteve nova identidade, a de colombiano, conseguindo assim se evadir da França. (Não é o Carlos Chacal, o venezuelano Ilítch Ramires, que cumpre pena atualmente na França e que pode ser assunto de uma crônica futura, pelo breve período convivido em 1968/69.) Mais tarde, quando Moscou teve conhecimento de outros antecedentes seus, teria sido considerado pelos soviéticos como espião ou agente duplo. (Queria o que?). Foi neste período que os russos o colocaram a morar comigo e o ucraniano. Certamente o ucraniano era o olheiro. A história toda da vida do Carlos é inverossímil à primeira análise. Mas tudo se liga agora quando ele menciona detalhes e seus motivos, também vividos por mim, entre os quais os pavorosos pesadelos que o perturbavam à noite, quando aos gritos pedia por socorro e ajuda, ou ditando ordens. Eu o despertava e o Carlos:...áhhh...tudo bem...tudo bem! (Em 2015, isto me parece um filme de ficção). Evidente que ficou a pão-e-água por quase três anos. E eu o ajudava sem saber quem ele realmente era e, quando o questionava, alegava ter perdido o passaporte e, por isso, nem sempre recebia o estipêndio (bolsa de estudos). Em Moscou, duas semanas antes de recebermos nossos diplomas de engenheiro agrônomo, ao entrar no quarto eu o encontrei apavorado e mexendo desordenadamente em papéis. Ao ser perguntado do motivo, disse que seria deportado para a Finlândia no dia seguinte, e evasivamente, por estar envolvido em coisas ilegais - pensei em drogas. Eu precisava sair, pois havia entrado para pegar alguma coisa e ao retornar ao quarto, meia hora depois, para minha surpresa, nada mais existia do colega colombiano, enquanto que o ucraniano passou a não mais dormir no quarto nos quinze dias que antecederam meu retorno ao Brasil. Passados 40 anos, nos reencontramos agora - sem saber do destino de cada um neste intervalo -, ocasião em que ficaram claros para mim os detalhes desta história toda que eu não compreendia: O Carlos não foi deportado, mas sim fugiu da URSS, só com papéis do histórico da faculdade e roupa do corpo, com auxilio do serviço secreto alemão ocidental, que lá possuía contatos com certos professores (as) da Alemanha Oriental. Ele agora me afirma que, no fundo no fundo, eu o ajudei a não morrer de fome e do frio de Moscou, nos seus três anos de vacas muito magras e de perspectivas aterradoras, sem documentos, nacionalidade e família. Hoje é cidadão sueco aposentado, casado com esposa também sueca. Possuem filhos crescidos e já profissionais. Viveram no Brasil por 7-8 anos no final e início da década de 80 e 90, ocasião em que me procuraram e não conseguiram me encontrar. Eles tiveram aqui cargos públicos federais e, também, na iniciativa privada. Ele desejava que alguém comprovasse para sua família essas histórias inverossímeis, de parte da vida dele. Após a fuga da URSS, o Carlos jamais retornou ao país de origem. Ele me considera um irmão, único, pois nada lhe restou emocionalmente da família anterior à sua ida para a União Soviética.

Em breve o Carlos me visitará no Brasil. Iremos brindar novamente as belezas da vida e os seus percalços superados, sabendo que, para muitos, a vida não permitiu superá-los. E vamos filosofar também!

Foto 1 – Dori (à direita) e sua turma na Sibéria em 1970: esta foi a minha 
contribuição para as ferrovias da Sibéria.