Cheguei a Moscou em 16 de agosto de
1961. No dia 25 Jânio Quadros renunciava ao cargo de presidente da República.
No início de novembro descobri a neve e, no final de janeiro de 1962, nas
férias de inverno que passei com alguns alunos na casa de descanso Mônina
– às margens do Rio Moscou – enfrentei o inverno mais frio de todos os
meus anos de Patrice Lumumba: - 32°C!
A
quadra de basquete servia de pista de patinação. Como eu já aprendera a andar
com patins de rodas no Brasil, minha adaptação aos patins de lâminas foi
rápida. Nunca me esqueci do Valódia – um garotinho de uns oito anos – que
estava na pista. Sua carinha de peralta não enganava. De repente, pegou
minha shapka, encheu-a de neve e saiu correndo, e eu atrás
dele. Mas ele patinava tão bem, que me driblava facilmente. Tive que pedir
arrego: Valódia, radi boga! Mne kholodno na golove. Otdai obratno moiu
shapku! Felizmente o safadinho se sensibilizou!
Mas,
o que quero resgatar mesmo é um episódio protagonizado por um jovem argelino –
super-alto-astral – cujo nome esqueci. Vou chamá-lo de Samir Kayan. Não era um
árabe puro sangue, era mestiço (pai árabe e mãe francesa). Vivia sorrindo e
brincando. Numa das refeições, como estavam demorando a servir, ele começou a
cantar em francês – usando a música Barqueiros do Volga –
improvisando apelos para trazerem água e repetia um refrão: Nous avons
soif! Nous avons soif! Ao final, foi aplaudido por quem entendeu o que
cantava e até por quem não entendeu...
Mais
tarde, na primavera (acho que no final de abril), Samir e outros colegas
argelinos nos convidaram – e a outros jovens de todos os países – para
participar de uma manifestação em frente à embaixada francesa. Lá fomos nós
(lembro-me do Sílvio Aranha, do Artur Leandro e do Américo Orlando entre os
brasileiros que participaram). No local – com faixas e a palavra de ordem Liberez
Ben-Bella! – gritávamos bem alto, com os punhos cerrados, exigindo a
libertação do líder maior da Revolução Argelina que tinha sido preso pelos
franceses.
No
dia 5 de julho de 1962 ocorreu a vitória da Revolução. A Argélia se livrava da
colonização francesa, depois de mais de um século de exploração. De repente,
caiu minha ficha. Samir desaparecera da Patrice Lumumba. Perguntei
por ele a colegas argelinos. “Depois da vitória da Revolução, ele regressou a
Argélia. Não quis ficar”. Jovem militante da causa revolucionária desde a
adolescência, ele não conseguiria ficar tanto tempo longe da pátria. Voltou
para ajudar a reconstruir uma nova Argélia, liberta do jugo colonial francês.
Nunca
mais tive notícias de Samir Kayan.
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